Um Judeu Marginal
A narrativa do nascimento de Jesus feita por Lucas é o mais detalhado entre os outros evangelhos sinóticos e também o mais bem contextualizado dentro da história. Muito do que foi escrito sobre o propósito de Lucas no capítulo primeiro encontra-se nos textos relacionados ao nascimento de Jesus:
“E aconteceu, naqueles dias, que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse. (Este primeiro alistamento foi feito sendo Cirênio governador da Síria.) E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. E subiu da Galileia também José, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi chamada Belém (porque era da casa e família de Davi), a fim de alistar-se com Maria, sua mulher, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2.1-7).
O contexto político
Aqui, como em outros lugares, Lucas cita personagens da história dentro do seu relato. E durante o reinado de César Augusto, que governou o Império romano entre os anos 27 a.C a 14 d.C., que Jesus nasceu. A Palestina, portanto, estava sob dominação romana no tempo de Jesus. A política de Roma não era a da ocupação dos territórios conquistados, mas subjugá-los através de um pesado sistema de cobrança de impostos. Os imperadores nomeavam governadores e procuradores para esses territórios conquistados a fim de manter a ordem e garantir a administração dos mesmos. Para que o império pudesse manter esses territórios sob o jugo de Roma, as famosas legiões romanas, formadas por militares altamente treinados, eram deslocadas para esses lugares. Isso explica as frequentes citações aos centuriões romanos nos dias de Jesus e da Igreja Primitiva.
O escritor José Antonio Pagola destaca que Jesus não chegou a conhecer esses imperadores. Para o grande império ele não passava de um judeu marginal.1 Não há registros que os imperadores César Augusto e Tibério andaram na palestina desde que a mesma foi submetida ao jugo de Roma por Pompeu no ano 63 a.C. Todavia Jesus sabia de suas existências e deve ter visto suas imagens gravadas nas moedas que circulavam. Sem dúvida Jesus sabia que os imperadores eram os donos do mundo e da Galileia dos seus dias. Quando Jesus ainda não tinha vinte e cinco anos de idade, Antípas, que era vassalo de Roma, construiu uma esplêndida cidade à beira do mar da Galileia e a chamou de Tiberíades em homenagem ao Imperador Tíberio, que acabava de suceder o imperador Otávio Augusto. A presença do Império e dos imperadores estavam por toda parte para lembrar o povo quem é que mandava no mundo.
Pagola destaca ainda que durante “mais de sessenta anos ninguém pôde opor-se ao Império de Roma. Otávio e Tibério dominavam a cena política sem grandes sobressaltos. Umas trinta legiões, de cinco mil homens cada uma, e mais outras tropas auxiliares asseguravam o controle absoluto de um território imenso que se estendia desde a Espanha e as Gálias até a Mesopotâmia; desde as fronteiras do Reno, do Danúbio e do mar Morto até o Egito e o norte da África”.2
Jesus nasceu pouco antes da morte de Herodes, o Grande, que sem dúvidas foi o mais cruel dos governantes vassalos de Roma. Já velho e temeroso de perder o poder passou a acreditar que todos conspiravam contra ele. A sua própria família foi alvo da sua psicose! Primeiramente mandou matar o cunhado, afogando-o em uma piscina na cidade de Jericó; depois acusou a sua esposa Mariamne de adultério e mandou executá-la. Sua sogra também não escapou. Cerca de três anos antes de morrer mandou matar seus próprios filhos Alexandre e Aristóbulo, que seriam os legítimos herdeiros do trono e depois fez o mesmo com seu outro filho Herodes Antípatro.3
A sua loucura chegou ao clímax quando ordenou a matança dos infantes de Belém de dois anos de idade por acreditar que entre eles estaria Jesus, o rei dos Judeus:
“Então, Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se muito e mandou matar todos os meninos que havia em Belém e em todos os seus contornos, de dois anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira dos magos. Então, se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias, que diz: Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto; era Raquel chorando os seus filhos e não querendo ser consolada, porque já não existiam” (Mt 2.16-18).
Roma, portanto, vivia na sua glória imperial e a presença de um simples galileu nem mesmo era notada. Jesus, o Filho de Deus, foi um personagem anônimo para os donos do mundo! Para a sociedade romana, Jesus vivia à margem da história. Pouco ou "quase nada é dito sobre Jesus pelos escritores dessa época. Um milagreiro da Galileia não despertava interesse para o grande Império. Somente Flávio Josefo, escritor judeu (37 d.C a 100 d.C), e que se tornou amigo dos imperadores romanos, indo posteriormente morar em Roma, percebeu a presença do galileu de Nazaré:
“Por esse tempo viveu um homem sábio chamado Jesus e sua conduta era boa, e era sabido que era virtuoso. Muitos dentre os judeus e de outras nações se fizeram discípulos seus. Pilatos o condenou a ser crucificado e a morrer. Mas aqueles que tinham se tornado seus discípulos não abandonaram o discípula- do. Informaram que ele havia aparecido três dias depois de sua crucificação, e que estava vivo. Portanto, talvez fosse o Messias, acerca de quem os profetas haviam dito maravilhas. E a tribo de cristãos, assim chamada por ele, não desapareceu até o dia de hoje”.4
Natal sem Cristo
A presença de Jesus não foi percebida somente pelos romanos, os belemitas também não o perceberam: “E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2.7).
Devido ao recenseamento, o fluxo de gente era muito grande e um casal pobre com uma mulher grávida era mais um no meio da multidão. Não havia mais vaga na rede hoteleira daquela época. Se não havia vaga para Cristo naqueles dias, hoje também não é diferente. Não há mais vaga em muitos corações para nascer o filho de Deus. Todos os anos o seu nascimento é celebrado, mas esse não é um nascimento espiritual, mas apenas comercial.
O que devemos, então, celebrar no nascimento de Jesus?
1. O nascimento do Cristo “pessoa”, mas não o Cristo mercadoria.
Não há dúvidas de que o nascimento de Jesus continua sendo celebrado hoje, mas essa é uma celebração comercial. Os telejornais exibem que nesse período as vendas aumentam em até 30%! Isso é muito bom para a economia! Lojas e Shoppings lotados, mas os corações estão esvaziados! O Jesus do comércio não passa de uma mercadoria vendável. Esse é o natal que não deve ser celebrado como diz o poeta:
Cantarei o Natal,
Mas o Natal-acontecimento,
O Natal exato,
Realidade confortadora e simples,
Não o natal de Papai Noel,
De São Nicolau,
Do trenó sobre a neve,
Do buraco da fechadura,
Da chaminé delgada e escura,
Do farnel de brinquedos...
Não!
Esse, positivamente, não é o Natal,
Esse é um natal de mentira,
Inventado por alguém sem imaginação.
Não e não!
Postiço e falso é o natal dos brinquedos:
Da árvore de bolas amarelas, verdes,
Vermelhas, azuis, pretas, douradas,
Espelhando rostos alegres,
Alongando e diminuindo feições sorridentes,
Natal dos sapatinhos sob a cama,
Dos olhos marotos do menino rico,
Dos olhos parados do menino pobre.5
2. O nascimento do Cristo dos magos, mas não o Cristo da magia.
Não há consenso entre os intérpretes sobre a real identidade dos magos do Oriente. Os antigos pais da igreja viam nessa visita dos magos ao recém-nascido Jesus, a astrologia e a magia se curvando perante a sua majestade e sabedoria. A estrela de Cristo brilhou no coração desses magos.
“E, tendo nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do Oriente a Jerusalém, e perguntaram: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos a adorá-lo. E o rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e toda a Jerusalém, com ele. E, congregados todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo. E eles lhe disseram: Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá, porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel. Então, Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exatamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. E, enviando-os a Belém, disse: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino, e, quando o achardes, participai-me, para que também eu vá e o adore. E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande júbilo. E, entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2.1-11).
Infelizmente o Cristo que está sendo festejado hoje não é mais o Cristo dos magos, mas o Cristo da magia. A magia não está mais restrita às seitas esotéricas, mas pode também ser encontrada em muitos cultos evangélicos! A água e a rosa ungida, o lenço ungido, e uma infinidade de outros apetrechos e penduricalhos religiosos oriundos do judaísmo antigo são um testemunho vivo desse misticismo evangélico.
3. O nascimento do Cristo dos pastores, mas não o Cristo dos mercenários
“Ora, havia, naquela mesma comarca, pastores que estavam no campo e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. E eis que um anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo, pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: achareis o menino envolto em panos e deitado numa manjedoura. E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens! E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém e vejamos isso que aconteceu e que o Senhor nos fez saber. E foram apressadamente e acharam Maria, e José, e o menino deitado na manjedoura” (Lc 2.8-16).
Esse texto mostra a celebração que esses pastores fizeram por ocasião do nascimento de Jesus. Houve muita alegria entre aqueles camponeses. Deus em sua grandeza contemplou os pequenos!
Pastores, sim. Mercenários, não!
Devemos sim celebrar o Cristo dos pastores, mas jamais o Cristo dos mercenários. Não há dúvida de que hoje a sociedade olha com desconfiança o ministério pastoral e essa desconfiança se deve em grande parte pelo mau testemunho dos mercenários.
A Bíblia garante que há pastores e também que existem mercenários (Jo 10.1-18). Nesse sermão conhecido como “Jesus, o bom Pastor”, encontramos alguns princípios apontados pelo próprio Jesus que nos permitem separar o verdadeiro pastor do mercenário.
“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas, de modo nenhum, seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. Jesus disse-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que era que lhes dizia. Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade vos digo que eu sou a porta das ovelhas. Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os ouviram. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. O ladrão não vem senão a roubar, a matar e a destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Mas o mercenário, que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa. Ora, o mercenário foge, porque é mercenário e não tem cuidado das ovelhas. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai e dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10.1-15).
O bom pastor conhece as ovelhas — “Ele as chama pelo nome” (Jo 10.3). Chamar alguém ou alguma coisa pelo nome demonstra conhecimento que se tem sobre o ser ou objeto invocado. O mercenário não conhece o rebanho, pois o seu interesse não está nas ovelhas, mas somente no couro delas! Em muitos casos nem mesmo rebanho o mercenário possui. Às vezes é um andarilho que, em vez de estar em um aprisco, anda pelas igrejas peregrinando atrás de dinheiro. Infelizmente esse é um mal que está crescendo dentro até mesmo das igrejas pertencentes ao pentecostalismo clássico. Entre esses intrusos têm até mesmo empresários que ficam responsáveis pelas agendas desses e recebem comissão por isso. Costumam ligar para os que são verdadeiramente pastores dizendo que encontraram um “espaço” em suas agendas e gostariam de preenchê-lo na igreja para quem contatam. Costumam cobrar caro pelos seus sermões e demonstram ser muitos exigentes. Muitos estão totalmente sem condições morais e espirituais para falarem da santa Palavra de Deus, pois deixaram suas mulheres ou estão envolvidos em algum tipo de escândalo.
O bom pastor dá exemplo para as ovelhas — “as ovelhas ouvem a sua voz” (Jo 10.4). Se as ovelhas ouvem a sua voz é porque o conhecem. Ele é o exemplo do rebanho. O pastor de verdade tem compromisso com a ética cristã e faz de tudo para o ministério não ser censurado. Não é caloteiro nem tampouco vende as ovelhas para o político da cidade. Ele sabe que o bom nome vale mais do que as muitas riquezas e que ser estimado é melhor do que a prata e o ouro (Pv 22.1).
O bom pastor alimenta as ovelhas — "entrará, sairá e achará pastagem” (Jo 10.9). O bom pastor leva as ovelhas aos pastos verdejantes (Sl 23.1-6). O bom pastor lê a Bíblia e tudo aquilo que pode ajudar o seu entendimento a fim de levar uma alimentação de qualidade para o rebanho. Ele gasta horas a fio em oração, na meditação da Palavra e na leitura de bons livros. O mercenário não faz isso. Em vez de alimentar o rebanho, ele mantém a igreja com uma agenda abarrotada, onde há sempre alguém pregando no lugar dele. Quando prega não consegue ir além de alguns ralhos que dá nas ovelhas. Suas ovelhas encontram-se subnutridas, fracas e até mesmo mortas.
O bom pastor sacrifica-se pelas ovelhas - "o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11). O bom pastor se sacrifica pelo rebanho: “Regozijo-me, agora, no que padeço por vós e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja” (Cl 1.24). O bom pastor não está preocupado em defender seu bem-estar diante do rebanho, mas em ser um ministro de Deus para a sua igreja. Se necessário for, ele bate de frente, sofre o dano, a fim de que comportamentos e práticas erradas sejam corrigidos. Ele pode morrer, mas morre em pé.
O bom pastor protege as ovelhas — "o mercenário vê vir o lobo e abandona as ovelhas” (Jo 10.16). O mercenário está preocupado com o seu bem-estar e abandona o rebanho ao primeiro sinal de perigo. Tem uma facilidade enorme para mudar de uma igreja para outra, desde que as condições lhes sejam favoráveis. Quando as coisas não estão indo muito bem financeiramente, começa a propagar que o seu tempo naquela igreja acabou. Torna-se um visionário e sonhador, tendo sonhos e visões de anjos que o estão enviando, sempre para igrejas de condições financeiras melhores do que a sua!
O bom pastor junta as ovelhas — “Ainda tenho outras ovelhas, não deste arisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor” (Jo 10.16). O bom pastor sabe juntar o rebanho! Ele sabe que alguns rebanhos são mistos. Além das ovelhas mais velhas, há também o cordeirinho que ainda mama; há bodes e outros animais, que mesmo não sendo da mesma espécie das ovelhas, se juntaram ao rebanho. Como separar o joio do trigo ou o a ovelha do bode para não estourar o rebanho? E exatamente aqui que o pastor se distingue do mercenário. A sua vocação e preparo o habilitaram a identificar e manter unido o seu rebanho de ovelhas.
O bom pastor é reconhecido pelas ovelhas — “As ovelhas conhecem a mim" (Jo 10.14). O bom pastor tem o reconhecimento de suas ovelhas. Elas sabem que desfrutam de uma boa dieta espiritual graças ao seu empenho. Elas estão conscientes que devem manter o seu pastor à frente delas para evitar a aproximação dos mercenários.
4. O nascimento do Cristo da manjedoura, mas não o Cristo das catedrais.
O Cristo de Belém é um Cristo simples, nasceu em uma manje- doura. Mas o Cristo celebrado hoje é o Cristo das catedrais! E o Cristo das megas igrejas. É um Cristo suntuoso! Infelizmente muitos estudos sobre evangelismo, missões e crescimento da igreja tomam como base essas megas igrejas. Os resultados são dados totalmente divorciados da realidade das igrejas nas favelas, nos sertões e entre as populações ribeirinhas. São estudos ministrados em hotéis de luxo, navios cruzeiros ou em um resort famoso. Geralmente esses pastores, que são pops stars, defendem esse tipo de cristianismo com o já surrado jargão que são cabeças e não caudas.
O contexto profético
Já foi dito neste livro que Lucas demonstra um interesse ímpar na pessoa do Espírito Santo e como Ele se relaciona com o ministério de Jesus. Lucas faz um desenho detalhado do contexto profético a fim de mostrar que o espírito profético havia sido revivificado.
Os expositores bíblicos David W. Pao e Echard J. Schnabel denominam esse aspecto da teologia carismática de Lucas de “o alvorecer da era escatológica”, e escrevem:
“Como o surgimento de João Batista significa o retorno da profecia e dos atos salvíficos de Deus na história, essa sessão destaca o despertar da era escatológica. A intensidade da presença do Espírito Santo enfatiza essa afirmação: Isabel “ficou cheia do Espírito Santo” (1.41), e assim também Zacarias (1.67). O ministério de João Batista é caracterizado como um ministério do Espírito (1.15). Simeão, que aguarda com expectativa a consolação de Israel (cf. Is 40.1), recebe o Espírito (2.25) e a revelação do Espírito Santo de que “ele não morreria antes de ver o Cristo da parte do Senhor” (2.26). Embora a presença do Espírito possa ser encontrada nos relatos de personagens do AT (e.g., Josué [Nm 27.18], Sansão [Jz 13.25], Davi (1 Sm 16.13], essa intensidade só encontra correspondência no acontecimento do Pentecostes, relatado no segundo volume de Lucas (At 2), no qual as promessas proferidas por João (Lc 3.16) e por Jesus (Lc 11.13; 12.12; At 1.8) são cumpridas. Esses acontecimentos apontam para o cumprimento de antigas promessas que falam do papel do Espírito no tempo do fim (v. esp. Is 32.14-17 [cf. Lc 24.49; At 1.8]; J1 2.28-32 [cf. At 2.17-21]), quando Deus restaurará seu povo para sua glória (At 3.19-20)”.6
A teologia de Lucas, portanto, tanto no terceiro evangelho como nos Atos dos Apóstolos é uma teologia da Salvação de Deus. Durante seu ministério terreno, capacitado pelo Espírito Santo, conforme o testemunho do terceiro evangelho, Jesus a proclamou (Lc 4.18; At 10.38). Glorificado à direita do Pai nos céus, e através do mesmo Espírito que outorgou aos que lhe obedecem, conforme o testemunho de Atos dos Apóstolos (At 2.33; 5.32), o Senhor está dando-lhe continuidade.
O Espírito Santo sempre esteve presente na história do povo de Deus. Ele esteve presente na história do antigo Israel, esteve presente no ministério de Jesus e dos apóstolos e agora está presente na igreja hodierna!
O nascimento de Jesus no contexto judaico
Por ocasião da redação do terceiro Evangelho, a igreja já tinha dado os seus primeiros passos. Uma das primeiras polêmicas no seio da igreja surgiu por conta da disputa entre judeus e gentios. Isso motivou a instauração do primeiro concilio da igreja que ocorreu em 49 d.C. Esse concilio, liderado pelos apóstolos, ocorreu em Jerusalém e tinha como objetivo se opor aos esforços dos judaizantes, conforme registrado no livro de Atos capítulo 15.
Não há dúvida de que um dos propósitos de Lucas, como já foi assinalado, era mostrar que o cristianismo não era uma seita judaica sem nenhum nexo com a cultura judaica. Suas raízes eram de origem judaica. Ele era a continuação e plenitude da revelação de Deus conforme se encontrava registrada nas Escrituras hebraicas. Lucas, portanto, estava “interessado em delinear a relação entre o cristianismo e o judaísmo. A maneira pela qual ele tratou desse assunto é determinada pela brecha enorme que já separava essas duas religiões em épocas em que escreveu. Isso levou-o a (1) estabelecer a continuidade entre o cristianismo e a história redentora judaica, e (2) mostrar como a alienação entre os dois movimentos ocorreu”.7
Os relatos históricos da infância de Jesus têm como objetivo estabelecer esse vínculo entre a fé judaica e a fé cristã. Os relatos da circuncisão de Jesus (Lc 2.21), a sua apresentação no Templo (Lc 2.22-24) atendem ao mesmo fim. Da mesma forma os relatos de Simeão e Ana como judeus piedosos e a presença de Jesus no Templo com 12 anos de idade, sem dúvida servem para mostrar que o cristianismo não surgiu à parte do judaísmo, mas que suas raízes se originaram deste.
NOTAS
1 Um estudo crítico e exaustivo da vida de Jesus pode ser encontrado na obra de John P. Meier: Um Judeu Marginal - repensando o Jesus histórico. Rio de Janeiro: Editora Imago.
2 PAGOLA, José Antonio. Jesus - Aproximação Histórica. 5a Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.
3 PAGOLA, José Antonio. Idem. pp. 33,34.
4 JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas XVIII, 63. Paul Maier observa que a versão de Josefo dada acima difere da versão padrão já há muito divulgada nas centenas de traduções. Todavia salienta que a versão padrão sofreu uma interpolação feita por cristãos, visto que Josefo não cria que Jesus era o Messias nem tampouco em sua ressurreição e que continuou sendo judeu até o fim de sua vida. Maier destaca que o texto mais breve de Josefo foi encontrado em um manuscrito de um historiador Árabe do século décimo e que, sem dúvida, reflete o original de Josefo (MAIER, Paul, L. Josefo - Los escritos essenciales. Editorial Porta Voz, 1992, Grand Rapids, Michigan, U.S.A.
5 JUNIOR, Gióia. Orações do Cotidiano - grande cantata de Natal. São Paulo: Mundo Cristão, 1995.
6 PAO, David W. & SCHNABEL, Echard. In Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2014.
7 Comentário Bíblico Broadman, volume 9, Lucas-João. Rio de Janeiro: JUERP.
FONTE: http://euvoupraebd.blogspot.com/
POR WILMAR ANTUNES
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