domingo, 10 de junho de 2012

A Blasfêmia contra o Espírito Santo (01)


"Portanto, eu vos digo: Toda forma de pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens"

E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro. (Mateus 12.31-32)

Do grego (blasphemia) blasphemía, pelo latim blasphemia:
1- palavras que ultrajam divindade ou a religião.
2- Ultraje dirigido contra pessoa ou coisa respeitável[1].

A declaração apresentada por Jesus neste episódio distingue a blasfêmia contra o Espírito Santo de todos os outros tipos de pecados que um ser humano pode cometer.

É preciso, no entanto, apresentar ao leitor um dado a muito conhecido pelos teóricos do Novo Testamento com relação as expressão usadas neste período. A tradução Versão Autorizada Inglesa (King James) acertadamente traduz a expressão passa hamartia por “toda forma de pecado”. É evidente, no entanto, que o sentido da expressão é “toda outra espécie de pecado”. Portanto, a blasfêmia contra o Espírito Santo não está inclusa nesta expressão. As traduções de João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil (sociedade Bíblica do Brasil) e revista e corrigida, traduzindo literalmente do grego, todo pecado, obscurecem o sentido mais amplo.

Existem, portanto, várias interpretações sobre o que realmente é blasfemar contra o Espírito Santo. Todos parecem saber que esse delito é imperdoável, porém as opiniões se divergem amplamente quanto ao que ele realmente pode ser. Alguns afirmam ser o suicídio, outros o adultério. Também há quem diga ser a rejeição do evangelho depois da vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Poucos se detêm a examinar o contexto das referências à blasfêmia contra o Espírito Santo, como acontece na maioria dos casos dos assuntos aparentemente divergentes na Bíblia. A análise cuidadosa do texto elucida alguns pontos aos quais devemos atentar. Os textos relevantes são encontrados nos três primeiros evangelhos chamados evangelhos sinóticos (que devem ser vistos em conjunto). Em Mateus 12, as afirmações de Jesus sobre blasfemar contra o Espírito Santo ocorreram quando ele curou um homem cuja possessão demoníaca o havia feito cego e mudo. Em Marcos 3, a cura não é mencionada, Lucas registra a cura no capítulo 11 e menciona a blasfêmia contra o Espírito Santo em 12.10.

Afirmar que o mal é o bem e que luz é trevas, era pratica comum entre os fariseus. Esta prática traz em si mesma um alerta anunciado pelo profeta Isaias (Is 5.20) e agora reinterpretado por Jesus como Blasfêmia contra o Espírito Santo.

Na história da Igreja, muitos estudiosos emitiram sua opinião sobre o assunto:

Para Irineu, Blasfêmia contra o Espírito Santo seria a rejeição do evangelho;

Atanásio – a negação da divindade de Cristo, a qual teve sua evidencia ao homem pela concepção do Espírito Santo;

Orígenes – toda a quebra da lei após o batismo, Agostinho – a dureza do coração humano rejeitando a obra de Cristo[2].

Vemos que a acusação feita contra Jesus em Mateus 12.24 “Este não expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios”[3] de que ele não passa de um curandeiro, cujos exorcismos são feitos pelo poder maligno, acusação que se repete nos evangelhos. Contesta-se, o verdadeiro significado do poder e das obras do Messias. Não vemos no texto a negação da realidade do milagre, mas a acusação de que são diabólicos, nega-os como sinais do poder soberano de Deus. A reação de Jesus acontece em meio a uma série de parábolas rápidas que demonstram ser ilógico pensar que Satanás daria poderes a Jesus a fim de destruir a si próprio. A última parábola (Mat.12:29), acerca de apoderar-se dos bens do valente, pode ser uma alusão a Isaías 49:24-25, em que Deus descreve a salvação futura com o mesmo tipo de figura de linguagem.

A existência de um pecado imperdoável tem mexido com a mente dos cristãos em todo mundo em todos os séculos do cristianismo. Podemos observar no contexto apresentado pelo evangelista, que a advertência de Jesus dirige-se contra os que rejeitam sua mensagem ao chamá-la de satânica. No entanto, vemos que, se há preocupação, pelo fato de que algo possa eliminar o ato do perdão de Cristo é, ironicamente, evidência de que o homem crê em Cristo e que o mesmo foi enviado por Deus, e constitui, assim, prova de que tal pessoa não cometeu o pecado contra o qual o Senhor adverte.

Para compreendermos melhor esse assunto é preciso termos em mente o que de fato é a graça dispensada por Deus aos homens.

Dietrich Bonhoeffer, em sua obra intitulada Nachfolge, traduzida em português com título “Discipulado”, traz uma das melhores definições para este tópico, ao dizer que a graça barata é a maior inimiga de nossas igrejas, quando na verdade deveríamos defender a graça preciosa.

Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado – é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo. A essência da graça seria, ao que pensamos, a conta ter sido liquidada antecipadamente e para todos os tempos. Estando a conta paga, pode-se obter tudo gratuitamente. Por ser infinitamente grande o preço pago, são também infinitamente grandes as possibilidades de uso e dissipação. Que seria graça se não fosse barata? [...]

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende com alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para adquirir a qual o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o governo régio de Cristo, por amor do qual o homem arranca o olho que o escandaliza; o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga as suas redes e o segue. A graça preciosa é o Evangelho que há que se procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta à qual se tem que bater. Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao homem, e é graça por, assim, lhe dar a vida,- é preciosa por condenar o pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por tê-lo sido para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu Filho fostes comprados por preço" - e porque não pode ser barato para nós aquilo que para Deus custou caro. A graça é graça sobretudo por Deus não ter achado que seu Filho fosse preço demasiado caro a pagar pela nossa vida, antes o deu por nós. [...]

A maneira como Bonhoeffer descreve o significado de “graça”, nos tranqüiliza no sentido de que, uma vez participantes dessa graça preciosa, temos instintivamente maior zelo em relação ao Sagrado. Logo somos guardados de blasfemar contra o Espírito Santo, no entanto continuamos sujeitos, como não poderia ser diferente, ao cometimento dos demais pecados.

Atribuir as obras de Deus ao Diabo foi, no período patrístico e na idade média, o pressuposto usado para condenar à inquisição aqueles que de alguma forma não concordavam com o pensamento teológico da igreja vigente em sua totalidade nos assuntos doutrinários, como a Trindade e a divindade de Cristo. Desta maneira, declarava-se maldito, partindo do pressuposto que blasfemaram e, por conseguinte, não haveria perdão para os tais, nem de Deus nem da Igreja.

Na sociedade pós-moderna este fato poderia se repetir, atribuindo o mesmo adjetivo ao mesmo tipo de comportamento, como por exemplo, os adeptos da confissão positiva, que acreditam que podem “determinar” que Deus cumpra isso ou aquilo, excluem deliberadamente os que não aderem esse tipo de comportamento como prática litúrgica, esquecem, no entanto que, o próprio Deus, criador dos céus e da terra, não se submete aos nossos anseios. Outro tipo comum em nossos tempos poderíamos assim dizer, são aqueles que impedem que as mulheres tenham seu papel no ofício religioso, tolhendo-as no meio eclesiástico de realizar algo além do que o ideal machista permite.

Semelhante a estes, podemos ressaltar, são aqueles ensoberbecidos que ousam descrever o Ser de Deus e os seus atributos, como se O Criador eterno fosse um objeto, passível de análise, excluindo séculos de pesquisas e teorias daqueles que buscaram entender, não o inimaginável do Eterno, mas os aspectos tangíveis manifestos na vida e no comportamento do ser humano.

Esse tipo de ultraje ao Sagrado, embora não seja uma blasfêmia contra o Espírito Santo no sentido mais estrito do termo, certamente se constitui em um outro pecado; a idolatria, tão condenável quanto, porém perdoável, uma vez que Deus deu o seu único filho para que todo aquele que nele crê não se perca mas tenha a vida eterna -(Jo 3.16).

A blasfêmia contra o Espírito Santo é rejeitar a graça preciosa para a salvação em Jesus Cristo. Desta forma podemos concluir que apenas aqueles que se declaram apáticos as boas novas do Cristo, poderiam blasfemar contra o Espírito Santo, e não os cristãos, conforme recomendação do apóstolo Paulo em Efésios 4:17-22ss “E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade da sua mente. Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza. Mas vós não aprendestes assim a Cristo, se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como está a verdade em Jesus; que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano” [...]


Wilson R. Cardoso, é aluno da 1º turma da Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Assistente de Educação a distância on-line do Centro Presbiteriano de Pós- Graduação Andrew Jumper.
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[1] Aurélio, Dicionário da língua portuguesa, versão 2000

[2] Irineu, Atanásio, Orígenes e Agostinho, são pais da igreja nos séculos II a IV.


[3] Belzebu: (grego, Beelzebou.l (Beelzeboul) é nome de Satanás nos evangelhos, talvez derivado de um substantivo antigo designativo de uma divindade cananita (Baal-zebul), que significava "senhor do lugar alto". 2 Reis 1-16 faz referência a este deus, que nesta passagem é chamado de bWbz> l[;b; (Baal-Zebube), que significa "deus das moscas", talvez um trocadilho com o verdadeiro nome. O nome “ Belzebu ” aparece, assim, grafado nos evangelhos, em traduções para o português, derivado de antigos manuscritos redigidos em siríaco e latim.


Fonte: www.estudosgospel.com.br

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