segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Para quem tem medo, e a nada se atreve, tudo é ousado e perigoso. É o medo que esteriliza nossos abraços e cancela nossos beijos; que proíbe e nos coloca sempre do lado de cá do muro. 


Esse medo que se enraíza no coração do homem impede-o de ver o mundo que se descortina para além do muro, como se o novo fosse sempre uma cilada, e o desconhecido tivesse sempre uma armadilha a ameaçar nossa ilusão de segurança e certeza.


O Medo, já dizia Mira Y Lopes, é o grande gigante da alma, é o mais forte e a mais atávica das nossas emoções. Somos educados para o medo, para o não-ousar e, no entanto, os grandes saltos que demos, no tempo e no espaço, na ciência e na arte, na vida e no amor, foram transgressões, e somente a coragem lúcida pode trazer o novo, e a paisagem vasta que se descortina além dos muros que erguemos dentro e fora de nós mesmos.


E se Cristo não tivesse ousado saber-se o Messias Prometido? E se Galileu Galilei tivesse se acovardado diante das evidências que hoje aceitamos naturalmente? E se Freud tivesse se acovardado diante das profundezas do inconsciente? E se Picasso não tivesse se atrevido a distorcer as formas e a olhar como quem tivesse mil olhos?


"A mente apavora o que não é mesmo velho", canta o poeta, expressando o choque do novo, o estranhamento do desconhecido.


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

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