quarta-feira, 2 de maio de 2012

“Sabe lá, o Que é Não Ter e Ter Que Ter Pra Dar?”



Carlos Moreira

“Convém que Ele cresça e que eu diminua”. A frase lapidar de João Batista é, além de desconcertante, inquietante. Quem, de sã consciência, fala um negócio desses? Quem, responda-me honestamente, quer diminuir, quer ceder o lugar, a vez, o espaço, o status? Eu lhe respondo: não sei. Só sei que eu não. Pelo menos, ainda não...


Mas talvez alguém me questione: “olha, abrir mão, nesta perspectiva, é deixar que Jesus se sobressaia!”. E eu respondo: eu sei! E é por isso mesmo que complica, porque Jesus não está atrás de nada, não precisa de nada, não tem que provar nada, não tem que defender nada, não tem que lutar por nada! Isso tudo é coisa minha, é dinâmica pequena e mesquinha da minha existência, da minha luta por um lugar em baixo do sol, da minha necessidade de parecer, de me fazer perceber, de buscar quem possa me reconhecer e, em tudo isso sentir, ainda que por um pouco, prazer.

Há algo me apertando a garganta... É uma vontade enorme de chorar, de gritar, de correr, de dizer que está difícil, “punk” mesmo, sofrido, doído, ou como se diz aqui por estas bandas, ardido. E eu preciso confessar! Preciso lhe dizer que não sou o que gostaria de ser, ou, melhor, o que deveria ser... Não há coisa pior do que você frustrar a você mesmo. Frustrar os outros já se tornou rotina, mas a pior decepção é quanto você vê que não consegue ser mais do que já é, chegou ao limite, e, ainda assim, é muito pouco... Lembro de Clarice Lispector: “oh chega de decepções, estou tão machucado, me doem a nuca, a boca, os tornozelos, fui chicoteado nos rins”.

Olho para a igreja... Vejo os “personagens” realizando “malabarismos” no “teatro de marionetes”. Sim, eles fazem mesmo o “show” acontecer. E como sabemos, “the show must go on!”. São todos “figurões da fé” lutando entre si de forma despudorada, acusando-se mutuamente, seja em secreto, seja nos bastidores eclesiásticos, seja de maneira aberrante na mídia, pra todo mundo ver. É gente muito “poderosa”, que construiu o seu próprio “reino”, mas que nunca esteve envolvida com o Evangelho, nem com Jesus de Nazaré, nem muito menos com o Reino de Deus.

Incomoda-me o personalismo, a divinização do humano, “pastores” sendo alçados a categoria de pop-star, gente que nunca teve nem referência nem consciência de que foi chamada para lavar os pés da igreja, para servir os que fazem o Corpo de Cristo. Sim “ministros”, nós devemos tomar os últimos lugares, tornarmo-nos os menores entre os menores, estarmos entre os que carregam as maiores cargas, os que sofrem em silêncio, que são perseguidos, injuriados, caluniados, e ainda termos a certeza de que nos tornamos alvo fácil para aqueles que abrem a boca com o fim de destruir em um mês o que foi construído com lágrimas em vinte, trinta anos.     

Domingo eu acordei cansado... Já faz parte... Dormi já era madrugada fazendo a mensagem. É a falta de tempo, não de zelo. Tinha vontade de tudo, menos de ir pregar. O corpo pesava duas toneladas, a cabeça doía, os pés estavam fartos de chão e os olhos cansados de tanto ver. Tive vontade de ficar dormindo. Pensei em ligar para alguém para me substituir. Mas levantei-me e fui... Tenho dúvidas se deveria. Não sei se era eu que estava ali. “Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar?”. Encarnei com todos os matizes a poesia de Djavan. Estava parado na “esquina” e, diante de mim, se encontravam minha consciência e minhas limitações.

Fui aos trancos e barrancos. Deus usou o que sobrou de mim. Era a contradição em pessoa. “Como isso é possível?”, perguntava-me como que repetindo um velho mantra. Lembrei que não sou eu, mas Ele em mim... Ainda assim... A comunidade em que sirvo já me conhece. Sabe que não faço “caras e bocas”, que não sou performático, que evito disfarces, salamaleques. Era só olhar para ver que eu não estava bem. Mas tinha de estar. Tinha? Não sei... Acho que tinha. Mas não estava... Como disse o Cáio, “Eu sou Biribá, não nasci para ser Fruta do Conde”. 

Se quiseres mesmo saber o que sou, sou iconoclasta, estou em busca de desmascarar e destruir os “ícones”, os “ídolos”, as “imagens”. E faço isso começando comigo mesmo, me expondo e abrindo o meu ser para que saibas que não sou o que pensas, nem mesmo o que penso eu, pois na verdade sou pó e podridão, poeira e solidão. Sim, não fosse a Graça que sustenta os caídos, sequer me levantaria da cama, amargaria existir de mim para mim mesmo.

Desculpe-me se de alguma forma te choquei... Faz parte do meu “show”... É melhor que saibas por mim mesmo sobre mim do que pelos outros, que de mim nada sabem além do que fragilmente conseguem perceber. Mas eu sei que sou mais do que o que eles podem ver e menos do que eu gostaria de ser. “That´s all folks!”. Quem lembrar vai entender... “E se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou...”. Jota Quest.  




Carlos Moreira é coeditor do Genizah


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