Professores desnecessários à Igreja: o vocacionado iludido (I-III)
No artigo anterior tratamos a respeito do professor leigo, mas desleixado. Observamos a indolência e descuido com que labuta no magistério cristão. Nesse ensaio, apresentamos outro tipo de professor desnecessário à Igreja: o vocacionado iludido. Uma vez que trataremos de assuntos relacionados à vocação, ao dom espiritual, e à formação de professores, dividiremos nosso assunto em três postagens.
Fruto do dualismo cartesiano [1] e de uma hermenêutica reducionista [2] da Bíblia, os cristãos ainda costumam distinguir e opor os termos ofícios e vocação. O primeiro, usado com mais frequência na educação secular para designar o labor do professor, possui denotações um pouco mais políticas e sociais que o vocábulo que o sucede. O segundo, cujo conceito já fez parte da educação pública, se emprega mais regularmente na educação cristã para descrever um chamamento divino para o exercício da docência no Corpo de Cristo. Enquanto na hermenêutica cristã a palavra vocação indica um chamamento divino, ofício, na concepção política e pedagógica, diz respeito à profissão. O conceito que se tem do vocacionado é de alguém que exerce sua missão de forma apaixonada, romântica e utópica, tendo em vista um fim teleológico, seja ele cristão ou não.
Há de se distinguir, entretano, duas teorias entre as concepções de vocação usadas nas teorias pedagógicas. A primeira é de caráter ambientalista e naturalista, que, tendo o Emílio rousseauniano como fundamento [3], considera, por exemplo, que o simples fato de ser do sexo feminino já habilita naturalmente a mulher, a mãe, para o exercício docente. Como afirma Maria Martins
Por influência positivista, considerava-se a mulher como naturalmente dotada para assistência à infância uma vez que a paciência, a tolerância “só podem partir do coração feminino” e essa tarefa, da educação das crianças nas escolas, por direito e por natureza, devia “ter-lhe sempre pertencido”.[4]
Assim, a vocação natural não é aprendida, mas genética, intrínseca, espontânea; o sujeito deve apenas potencializar suas habilidades naturais. A mulher, na visão dos iluministas, estava habilitada ao exercício docente não pela sua inteligência, que era, segundo eles, inferior a do homem, mas pela superioridade moral. Paulatinamente o magistério primário ficou sob os cuidados e interesses femininos, por julgar-se, inicialmente, que a mulher reunia virtudes morais e desinteresses políticos e revolucionários, submetendo-se, até mesmo, a pagar o aluguel da sala de aula. Afirma Martins
A idéia de professor vocacionado é uma idéia veiculada entre os docentes e que cinde a tarefa pedagógica por um subjetivismo impregnado de um sentido deveras idealista (romântico) segundo o qual nasce-se professor, segundo a qual são requeridas algumas virtudes como tolerância, paciência, paternalismo, e descompromisso social, enfim, uma profissão superestrutural. [5]
A segunda concepção de vocação é de caráter religioso que nasce de uma hermenêutica intuitiva e parcial das Escrituras. De acordo com essa acepção, o vocacionado é alguém chamado especialmente por Deus e por Ele capacitado sobrenaturalmente para o exercício da educação religiosa na igreja. Como hermeneuta cristão, reconheço a validade dessa proposição, de acordo com variegadas perícopes que descrevem o ministério docente aliado ao exercício de um carisma pneumatológico (Rm 12.7; Ef 4.11et passim). O perigo, no entanto, não está na autenticidade do texto e de sua exegese, mas no elemento ideológico por detrás desse fato.
A história fictícia contada por Howard G. Hendricks ilustra o conceito equivocado a qual nos referimos. Conta o autor, que a senhorita Smith havia se candidatado a um cargo pedagógico, reunindo provas de sua formação secular e acadêmica. Contudo o senhor Brown, na igreja, superintende da Escola Dominical, e na escola secular, professor e gestor, responsável pela entrevista disse-lha:
“ – Sinto muitíssimo, mas não podemos aceitá-la. Notamos que você é recém-formada de uma escola de educação, e exigimos um professor com experiência em sala de aula de, no mínimo, cinco anos. Além disso, você só tem grau de bacharel e preferimos alguém com o mestrado”.
Na igreja, entretanto, a senhorita Smith, agora, irmã Smith, é convidada pelo irmão Brown, superintendente da escola dominical para exercer o cargo de professora. Na entrevista, a irmã Smith rebate o convite dizendo-lhe:
“ – Irmão Brown, sou nova-convertida e, na verdade, não sei muita coisa sobre a Bíblia”. “– Ora, isso não é problema”, responde ele, “ – A melhor maneira de aprender a Bíblia é ensiná-la”. “Mas irmão Brown”, retruca, “eu nunca ensinei aos juniores”. “ – Oh, não deixe que isso a coíba, irmã Smith. Tudo o que exigimos é alguém com coração disposto”, responde.
Conclui Hendricks
O cenário é mais do que um desenho caricatural; é um comentário de nosso baixo nível de discernimento em relação ao ensino cristão. Se você planeja ensinar que 2 + 2 são 4, precisa de cinco anos de experiência pedagógica. Se espera ensinar as crianças a dizer, “eu trouxe”, em vez de, “Eu truce”, provavelmente lhe exijam o mestrado. Mas, para ensinar o currículo da vida cristã, qualquer coisa é boa o bastante para Deus.[6]
O problema não está na vocação ao magistério eclesiástico, ou no dom espiritual, mas na ausência de uma hermenêutica sólida e aplicação eficiente dos resultados da exegese bíblica a respeito dos carismas ministeriais do ensino.
Não exigir do vocacionado qualquer capacitação formal para o exercício da docência evangélica, ou não exigir do ensinante profissional qualquer formação em Teologia e Bíblia para o exercício da docência cristã é reduzir o ministério de ensino à mediocridade.
O primeiro conceito torna o professor leigo, aquele que carece de formação profissional, uma pessoa autorizada a ensinar pelo “dom” que possui. O segundo dispensa a formação bíblica e a vocação ministerial em troca da experiência e capacitação profissional.
Porém, o ideal é que o professor carismático exerça a docência cristã sem excluir a formação técnica, e que o educador profissional desempenhe o munus docendi no magistério eclesiástico sem dispensar a capacitação teológica e pneumatológica.
Não exigir do vocacionado qualquer capacitação formal para o exercício da docência evangélica, ou não exigir do ensinante profissional qualquer formação em Teologia e Bíblia para o exercício da docência cristã é reduzir o ministério de ensino à mediocridade.
O primeiro conceito torna o professor leigo, aquele que carece de formação profissional, uma pessoa autorizada a ensinar pelo “dom” que possui. O segundo dispensa a formação bíblica e a vocação ministerial em troca da experiência e capacitação profissional.
Porém, o ideal é que o professor carismático exerça a docência cristã sem excluir a formação técnica, e que o educador profissional desempenhe o munus docendi no magistério eclesiástico sem dispensar a capacitação teológica e pneumatológica.
Continua....
*Esdras Bentho é pedagogo com habilitação em formação de professores, educação infantil, ensino fundamental e gestão escolar. Durante 5 anos foi redator das Lições de Jovens e Adultos da CPAD e participou da elaboração do Novo Currículo de Escola Dominical da CPAD.
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